Reconheço que o que escreverei de seguida não será aceite por todos. Não será consensual, pois não refletem boa vontade, bons sentimentos ou actos de benevolência e generosidade. No entanto, as ideias não são, felizmente, o único laço com que se ligam os espíritos humanos. Independentemente delas, se não acima, existe no meio da maior divergência de opiniões, uma fraternidade moral, fundada na mútua tolerância e no mútuo respeito que une todos os espíritos numa mesma comunhão.
Nada existe no Homem de mais delicado, mais melindroso do que as ilusões e o país, os portugueses, as consciências e o mundo estão iludidos. Portugal afundou-se sob o peso de muitos erros acumulados, dando lugar a uma decadência que aparece na política, na influência, na inteligência, na economia e nos costumes. A influência do exterior, fez de Portugal uma espécie de colónia, ao mesmo tempo que aquilo que tínhamos de bom se nos escapou gradualmente passando a sermos uma sombra, em espectro. Ás liberdades conquistadas sucede a centralização esterilizadora. O poder político sem uma força que o equilibre, transforma-se em soberba. Esse mesmo poder, esquecendo a sua missão, está convencidode que o povo é uma variável económica, uma estatística numa folha de cálculo, mas o pior é que o povo nem se importa.
O estado centralizado, tornou o cidadão nulo e acostumou-o à inércia de quem espera tudo de cima, obliterou a energia das vontades e das consciências. O povo quando conquistou a liberdade democrática, não compreendeu e ainda hoje não compreende essa liberdade e obviamente não a sabe usar.
Alguém disse certa vez: “Nunca povo algum deteve de tantas riquezas, ficando ao mesmo tempo tão pobre”.
Em quase todos os setores é no geral igual ao inicio do século XX, atrasado e pouco produtivo e amarrado à âncora das cotas comunitárias; as pescas foram trocadas por subsídios; o interior encontra-se desertificado; a riqueza concentra-se nas mãos de alguns e a miséria propaga-se. A população aperta o cinto, passa necessidades e emudece. É o abatimento, a prostração do espírito pervertido e atrofiado pelo peso de um Portugal pequeno, pobre, incapaz.
Entrámos numa época estéril, falsa, servil onde ser-se ladrão e corrupto é uma instituição, um ofício admitido e que se pratica com aproveitamento. A populaça, chamou a esta nova arte de Esperteza.
Em 1896, Guerra Junqueiro escreveu:
Um povo imbecilizado e resignado, humilde e macambúzio, fatalista e sonâmbulo, burro de carga, besta de nora, aguentando pauladas, sacos de vergonhas, feixes de misérias, sem uma rebelião, um mostrar de dentes, a energia de um coice, pois que nem já com as orelhas é capaz de sacudir as moscas; um povo em catalepsia ambulante, não se lembrando nem de onde vem, nem onde está, nem para onde está, nem para onde vai; um povo, enfim, que eu adoro, porque sofre e é bom, e guarda ainda na noite da sua inconsciência como que um lampejo misterioso da alma nacional, reflexo de astro em silêncio escuro de lagoa morta.