O sistema financeiro e bancário mundial, assenta essencialmente numa fraude. Acredita mesmo que o dinheiro que tem depositado no banco está de facto guardado, confiado e pronto para ser levantado quando quiser? Parece uma pergunta absurda, pois é da convicção quase geral que assim é, mas a sua convicção está errada e na realidade, o seu dinheiro não está em lugar algum.
A economia mundial assenta na criação e dinheiro a partir do nada, não existindo senão uma quantidade ínfima de dinheiro verdadeiro em circulação, existindo um número contabilístico que usamos para a aquisição de um determinado produto. Por sua vez, o vendedor desse produto troca o produto por esse crédito e que por sua vez o deposita no seu banco que o aceita e acaba igualmente por o conceder novamente a um outro cliente sob a forma de crédito. Este conceito nem sequer é novo, pois nasceu no século XVII através da emissão de notas bancárias, mas hoje os bancos limitam-se à criação de depósitos eletrónicos.
Por norma, os bancos apenas dispõem de 3 cêntimos de dinheiro verdadeiro por cada euro depositado e os bancos recorrem ao uso de cartões para assegurar que tenhamos a mínima necessidade possível de dinheiro.
O sistema é de uma aparente simplicidade. O banco tem a arte de pegar em moeda física e multiplica essa moeda várias vezes que por sua vez a empresta aos clientes que irá ou gastar com consumo simples ou a irá investir.
Mas como pode o banco emprestar mais do que aquilo que possuiu?
O Banco cria uma conta-corrente e empresta o valor ao seu cliente. Em suma, uma mão cheia de nada é trocada contra uma outra, mas é preciso pagar juros dos empréstimos que servirão para o banco fazer novos investimentos. No entanto, o sistema colapsa no caso de incumprimento por parte do cliente e o banco terá de registar como perdas.
Na verdade, o sistema até poderia não se revelar de todo uma fraude, se o Estado garantisse o sistema e impusesse limitações e fiscalizasse o sistema, no entanto tal não acontece.
Como pode tal sistema funcionar e principalmente, mesmo que um banco crie artificialmente uma linha de crédito, o que faz com que os outros bancos aceitem um crédito eletrónico?
Imaginemos que o banco B concede um empréstimo eletrónico ao seu cliente para a aquisição de uma casa, que por sua vez vai pagar ao proprietário e que por sua vez vai depositar o montante “eletrónico” no Banco C. O que faz com que o Banco C confie nesse dinheiro que na verdade não existe? Então, aqui entra o Banco Central que teoricamente garante a segurança do sistema, ou seja o Banco Central age como o banco dos bancos.
Aos bancos é exigido que tenham uma conta-corrente no Banco Central e que constituem as suas reservas compulsórias, sobre as quais eles podem ‘piramidar’, criando uma quantia fictícia de dinheiro inversamente proporcional à taxa que determina essas reservas compulsórias. O Banco Central age como o criador e vigilante de um gigantesco cartel bancário protegido pelo governo; o Banco Central, além de socorrer aqueles bancos que estão em dificuldades, ainda centraliza e coordena todo o sistema bancário de modo que todos os bancos possam inflacionar conjuntamente. Isto deu origem a um sistema bancário livre e desregulamentado e quando um banco inflaciona mais do que seus concorrentes, todos os bancos podem confortavelmente inflacionar o sistema.
Este sistema não funciona exatamente assim nos países da União Europeia, pois os países que aderiram ao euro viram o poder dos seus bancos centrais serem limitados, até porque deixaram de ter o poder de socorrer os seus bancos através da criação de moeda, pois transferiram esse poder para o Banco Central Europeu e aqui as coisas tornam-se ainda mais complicadas.
Quando um determinado banco tem problemas de liquidez porque pagou mais do que recebeu nesse dia, pede emprestado a outro banco. No entanto, se não houver confiança no sistema, então o banco com problemas tem de pedir auxilio ao banco central. No entanto, as reservas do Banco Central são insuficientes para absorver todas as perdas e o banco em dificuldade procura créditos externos.
A principal fonte de receita do Estado é através da tributação e é com esse dinheiro que o Estado se financia, no entanto os sucessivos governos passou a gastar mais dinheiro do que aquele que é gerado pelos impostos e por isso pediu emprestado montantes absurdos para se financiar e evidentemente pagar os juros desses empréstimos. É a chamada Dívida de Estado, Divida pública ou Ainda de Divida Soberana.
O que assistimos nos últimos anos foi a uma alteração muito fundamental do papel e das áreas de atividade dos bancos. Quando os bancos se limitavam a emprestar o seu próprio dinheiro ou a mobilizar a poupança de terceiros para investimento, as sua atividades eram meramente produtivas e o sistema funcionava. O sistema funcionava quando um cliente aplicava as suas poupanças para comprar um Certificado de Depósito Bancário (CDB) resgatável e ganhava sobre essa aplicação uma determinada taxa de juros e o banco por sua vez emprestava a terceiros e cobrava uma taxa de juros maior do que a que pagava ao cliente investidor, sendo depois essa a diferença embolsada pelo banco. Não existia qualquer problema nesta situação, pois tratava-se de direcionar poupanças e que eram transformados em empréstimos rentáveis e dignos de confiança. O sistema funcionava mesmo quando os grandes bancos de investimento utilizavam o seu próprio capital ou o capital investido/emprestado ou por cliente para financiar a aquisição de capital de grandes corporações. Mas o sistema desmoronou-se quando os bancos de investimento passaram a financiar o Estado e isso deu origem a uma relação de promiscuidade entre a banca e a política e em que a banca sai beneficiada, pois passou a deter do poder para manipular governos. Assim, assistimos ao nascimento de grandes bancos que se tornaram mais poderosos do que os Estados que foram muitas das vezes obrigados a legislar no interesse dos Bancos e dos grandes grupos industriais.
Esta crise, ficou a dever-se essencialmente ao excesso de liberdade dos banqueiros e à falta de regulação financeira quer levou à implosão do sistema. Os Estados que teriam a obrigação de garantir a segurança do sistema, falharam na sua supervisão do fazendo-o implodir e tornando obsoletos a atividade económica e de produção.
Os bancos traíram a confiança depositada pelos seus clientes, convencidos que entregavam o seu dinheiro a entidades sólidas e seguras. A consequência do excesso de confiança, foi assistirem à desvalorização e desaparecimento dos seus depósitos, sem que os verdadeiros responsáveis sofressem as consequências ou os compensassem.
O euro foi o elemento que desestabilizou definitivamente um sistema já condenado, uma vez que que uma moeda única só funciona numa zona económica homogénea, provocando um cataclismo para os países com economias mais fracas, pois preferem comprar produtos mais baratos e diversificados produzidos em mercados mais competitivos, fazendo desequilibrar a balança comercial e disparar a dívida externa.
O Banco central Europeu (BCE) comprometeu-se em determinar uma taxa de juros para países com economias e produtividade muito diferentes, tendo por consequência efeitos nefastos para as economias mais frágeis. Como se o cenário já não fosse trágico o suficiente, a produtividade destes países diminuiu e mesmo nos casos quem que até houve um aumento nas suas exportações, o valor dos bens que exportou não equilibraram o dos bens que importaram e como já não possuíam a capacidade de manipular a sua moeda, as importações tornam-se ainda mais caras.
Em meteorologia chama-se a este cenário de Tempestade perfeita. A desregulamentação dos bancos, adicionada à privatização dos sectores estratégicos e com a diminuição da intervenção dos governos, conduziram a uma economia assolada por perturbações impossíveis de resolver. As economias mais fracas chegaram ao ponto de ruptura e estão demasiadamente endividadas.
Quando surgiu a crise na Grécia e surgiu o perigo de “bailout”, instalou-se o pânico geral na Europa. O lógico seria a imediata reestruturação da dívida pública e pedir ao FMI que resolvesse a situação através da concessão de um empréstimo, até porque o BCE tinha por principio fundamental não socorrer os Estados, mas a Europa cometeu o trágico erro de ir socorrer a banca. No entanto, não para socorrer a banca dos países que se encontravam falidos, mas para socorrer a banca dos países credores. Estes bancos através das relações com os seus governos, influenciaram estes a agirem em nome da “Estabilidade”.
O que começou por ser uma crise bancária que deveria ter unido a Europa nos esforços para limitar os bancos, acabou por se transformar numa crise da dívida que dividiu a Europa entre países credores e países devedores e em que as instituições europeias funcionaram como instrumentos para os credores imporem a sua vontade aos devedores no interesse dos credores. A solução europeia passou pela imposição de austeridade que provocou recessões desnecessariamente longas e tão severas que agravaram a situação das finanças públicas dos países devedores.
Ao emprestarem ainda mais dinheiro aos países já devedores, estes viram as suas dívidas aumentarem com consequências ainda imprevisíveis e nada resolveu. Os resgates serviram para colocarem os países resgatados sob tutela e resta-nos saber o que irá acontecer quando os países endividados chegarem a um limite e que mais reformas serão exigidas para que os Estados garantam os empréstimos através da redução da despesa.
A Europa foi e é manifestamente incapaz de resolver o problema, da mesma forma que se mostrou incapaz de o prever. A Europa não teve a capacidade, o conhecimento ou a experiência para lidar com uma crise destas. A Comissão não tinha a menor ideia como resolver o problema, demonstrando uma inexperiência agravada com arrogância que trouxe o descontentamento nos países que sofreram intervenção. Em vez de admitirem que não conseguiam resolver a situação e deixar que o FMI lidasse com o problema e que embora seja historicamente uma instituição odiosa, mas sabiam como atuar e as soluções propostas eram mais brandas do que as soluções da Comissão. Os funcionários europeus agiram erradamente, até porque não tinham qualquer orientação para agirem. Com este vazio de orientações e mecanismos para lidar com a crise, coube à Alemanha assumir essas orientações e como seria mais do que previsível, essas orientações foram um desastre ao impor à Europa uma única visão sem deixar qualquer outra alternativa que não seja a austeridade.
A Alemanha possui uma visão conservadora sobre a economia e agiu no seu próprio interesse egoísta de credor em vez de no interesse europeu alargado. A União sempre funcionou com a Alemanha integrada nas instituições europeias, mas aqui, a Alemanha tentou redesenhar a Europa no seu próprio interesse. O país por várias razões mais errado possível para assumir a liderança, tornou-se quase-hegemónico, o que é muito destrutivo.
Ao evitar o bailout grego a Alemanha afundou-se no paradigma que criou, pois passou a ser obrigada a socorrer os restantes países em dificuldades, por isso a sua resposta foi exigir um maior controlo sobre as políticas económicas de to os outros Estados.
Esta crise transformou a natureza da UE, que passou de uma comunidade voluntária entre iguais para esta relação hierárquica entre credores exercendo o seu controlo sobre os devedores.