Muitas vezes comparo as sociedades humanas à savana do Serengeti povoado por zebras e por gnus. Os herbívoros fartos de serem perseguidos e comidos por necrófagos, revoltaram-se e elegeram um leão que os defendesse. A maior tragédia da vitória de Trump é que ficou demonstrado que qualquer um pode ser presidente dos Estados Unidos, desde que seja rica, famosa ou diga o que o eleitorado quer ouvir.
Com Trump, todos nós sentimos que fazemos parte da teatralidade americana para assistir à tragédia com a mesma curiosidade perversa que nos faz abrandar para vermos o acidente na estrada. Se assistirmos a um discurso de Trump e ele não disser nenhum dos seus disparates habituais, vamos ficar desiludidos.
Fenómenos como o Trump ou o renascimento das forças de extrema direita, encontram eco num eleitorado que além de desinformado, é intolerante e para quem o discurso intolerante, preconceituoso e de ódio tem aceitação.
O ódio e o preconceito sempre floresceram em campos onde escasseia a educação, o défice cognitivo é uma realidade e a opinião pessoal é o resultado das crenças e dos meta-programas instalados no cérebro. Em suma, é o triunfo daqueles que acreditam que há pessoas inferiores e a vitória do racismo e da discriminação.
Os Estados Unidos são um país em que ainda se acredita em anjos e em que Adão e Eva é uma história verdadeira, que os fósseis dos dinossauros foram colocados pelo Diabo para testar a fé dos crentes, e que dizem que a Terra só tem 10 mil anos. Não obstante a clara burrice e desinformação de uma grande parte do eleitorado, existem pessoas tolerantes que só estão à procura de uma coisa: mudança. Mas estas vitórias são apenas mais uma pedrada na democracia moribunda.
Trump é apenas mais um circense ao serviço da oligarquia das lojas instituídas. Mas Trump não é de forma alguma um radical idiota, embora esteja desprovido de qualquer senso comum, sabe como funciona o sistema e de que faz parte à décadas. No final, a mudança prometida, não vai acontecer e o mundo ficará certamente ainda pior do que o que encontrou.
Num país onde os meios rurais foram esquecidos e o ensino não existe, é normal que se criem focos de ódio, racismo e xenofobia. Quando os políticos não lhes deram soluções, pois consideravam que não precisavam deles para ganhar, é normal que se tenha semeado a raiva e a crença de que a mudança, seja boa ou má, é melhor do que a continuidade. Aliás, este é o pensamento muito próprio do baixo nível conhecimento político que mistura opinião com ciência política. Mas apesar do insuficiente nível de cientificidade, os eleitores tem o poder de eleger quem comandará os destinos não só deles, como também dos restantes e aqui está paradoxo da democracia.
O trunfo de Trump são as expectativas, pois estas são baixas. O que me preocupa é que à semelhança de todo o “atropelado” é a sua auto-estima e ego de sociopata, com a necessidade de aprovação e de que todos gostem dele ou quando isso não acontece apelida as desaprovações como intriguistas e prova de estupidez.
Apesar de tudo, até acho que um país que elegeu 5 vezes Cavaco Silva e Salazar como o maior português de sempre, e que nunca se revoltou contra corruptos e meteu banqueiros na cadeia, não tem nada para ensinar aos outros e tão pouco dar lições de cidadania, democracia ou educação aos americanos.