A Grécia exigiu o pagamento de reparações de guerra à Alemanha no um valor de cerca de 280 000 milhões de euros. Mas em que se baseia esta pretensão?
No Verão de 1940 Mussolini na sua leviandade habitual decidiu invadir a Grécia, mas mais uma vez deu-se muito mal e para salvar Mussolini de uma derrota humilhante, a Alemanha invadiu a Grécia em Abril de 1941.
Desculpem os amigos mais puritanos, mas ainda bem para Portugal que a Alemanha se virou para a Grécia, pois a divisão que estava destinada à Invasão de Portugal, já aguardava nos Pirenéus e foi desviada para a Grécia.
A Grécia foi saqueada e devastada e os alemães apropriaram-se de alimentos, produtos industriais, tesouros arqueológicos(a maior parte deles, nunca foi devolvida) e produção completa das minas gregas.
A Alemanha e Itália impuseram à Grécia somas exorbitantes como despesas de ocupação para cobrir não apenas os custos de ocupação mas também para suportar os esforços de guerra no Norte de África. Num acto de abuso de poder, as autoridades de ocupação forçaram o governo grego a pagar indemnizações aos cidadãos alemães, italianos e albaneses que residiam na Grécia ocupada por prejuízos, presumivelmente ocorridos durante as operações militares.
Para além das despesas de ocupação, a Alemanha obteve à força um empréstimo da Grécia (empréstimo de ocupação) de 3500 milhões de dólares.
De acordo com algumas estimativas, as mortes decorrentes directamente da guerra ascendem a cerca de 578 mil. A este números, pode-se juntar as mortes que ocorreram após o fim da guerra devido a doenças, desnutrição, ferimentos e más condições de vida.
Mas durante a ocupação, os gregos bateram-se como heróis, tendo perdido cerca e 20 000 combatentes, mas constituíram sem sobra de dúvidas uma preciosa ajuda para os Aliados. Como em muitas situações semelhantes, os Aliados mostraram muita gratidão a povos como os gregos e assim, depois da guerra, foram atribuídos à Grécia 7100 milhões de dólares como reparações de guerra, mas a Grécia nunca foi ouvida ou convidada a participar nas negociações de paz.
A Grécia exigiu o pagamento de reparações de guerra à Alemanha nos anos que se seguiram ao final da guerra e até à reunificação alemã e agora reclama da Alemanha um valor de cerca de 280 000 milhões de euros, repartindo-se da seguinte forma:
– 40.000 pessoas executadas; 300.000 mortes por fome; 210.000 reféns de trabalho forçado na Alemanha; 63.000 judeus gregos que foram vítimas do Holocausto; 1170 cidades e vilas destruídas; 401 mil casas demolidas; 1,2 milhões que ficaram sem habitação; 906 navios comerciais afundados; 129 pontes destruídas; 298,753 toneladas de metais preciosos explorados ou extorquidos; 1058 tesouros arqueológicos saqueados.
– A estes acrescem, ainda, 10,3 mil milhões do empréstimo forçado feito pelo Banco da Grécia.
A título de comparação, a total da dívida pública grega era, em Janeiro de 2015, na ordem dos 317 mil milhões de euros, representando 177% do seu PIB, ou seja, as indemnizações de guerra reclamadas pela Grécia à Alemanha pagariam cerca de 88% da sua dívida actual.
O que defende a Alemanha
– Em 1953, a Alemanha Ocidental evitou o pagamento das obrigações decorrentes do empréstimo de ocupação e das reparações de guerra, usando o argumento que nenhum “tratado de paz final” tinha sido assinado.
Este argumento alemão é no meu entender um pouco perigoso e injusto no mínimo. Mas é verdade que no final da guerra, a Grécia foi abandonada pelos seus aliados e mais concretamente pelo Reino Unido que como principal potência antes do inicio do conflito no mediterrâneo, abandonou simplesmente a Grécia e foi incapaz de defender os seus interesses. O resultado mais uma vez da visão britânica do “seu interesse” nacional, foi abandonar mais um país amigo à sua sorte, assim tão pouco a Grécia foi compensada e ainda enfrentou décadas de guerra civil e de regimes ditatoriais.
Em 1960, o governo alemão pagou 115 milhões de marcos alemães para o governo grego, como compensação de guerra. Foi apenas uma parte do que o governo grego exigiu, mas esses foram os termos de um acordo entre os países.
– A Alemanha defende ainda que o acordo 2+4 de 23 de Julho de 1990, assinado entre as duas Alemanhas e as quatro potências mundiais EUA, URSS, Reino Unido e França), libertou a Alemanha da obrigação de proceder a reparações que poderiam ser exigidos por todos os que tivessem sido prejudicados pela Alemanha, caso tivesse sido assinado um “tratado de paz”.
Esta afirmação não tem nenhuma base legal, mas é um reconhecimento dos estratagemas usados pela Alemanha para recusar um acordo com a Grécia.
-
A Alemanha afirma que a questão da compensação já foi acertada política e juridicamente em 1990 e questiona a razão de a Grécia não ter negociado tudo isso quando entrou na zona do euro.
A Alemanha deve reparações à Grécia?
Julgo que a questão tem tanto de interessante como de complicado, pois temos de ter em conta vários tratados e documentos desde o final da guerra até à reunificação alemã: Ialta e Potsdam; disposições do Plano Marshall; o Acordo de Londres sobre a dívida externa da Alemanha de 1953; o Acordo Bilateral entre a Alemanha e a Grécia, com o pagamento de 115 milhões de marcos, a título de reparações; o Tratado Dois-Mais-Quatro que entre outras coisas estabelecia que a Alemanha não teria de pagar reparações de guerra. E depois, temos a questão do cálculo dessas reparações, pois não existe uma base sólida para estabelecer os montantes a calcular.
Que tribunal pode condenar a Alemanha a esse pagamento?
Qualquer decisão de um tribunal nacional em condenar a Alemanha a esse pagamento, estará directamente em violação da imunidade da Alemanha de ser processada por tribunais nacionais, um princípio reconhecido pela lei internacional e negar este princípio iria abrir um precedente que levaria à inundação dos tribunais. Mas a Amnistia Internacional, defende o princípio consagrado na Convenção de Haia, de acordo com o qual “as vítimas de crimes de guerra podem processar o Estado responsável para obter reparações”.
Se a pretensão grega fosse aceite, isso iria abrir um precedente legal necessário a outras pretensões. Portugal por exemplo, poderia pedir imediatamente à França uma pesada indemnização por reparações de guerra durante as invasões francesas e pediria à Holanda uma compensação pela ocupação do Brasil. Podemos ir mais longe e exigir à Espanha que nos compense por 60 anos de ocupação. Então, abriria um precedente ainda mais perigoso, pois Angola,Moçambique, Índia, Brasil, Timor Marrocos iriam pedir pesadíssimas compensações a Portugal.
Mais uma vez, perdão aos amigos puritanos, mas se a Grécia fosse atendida neste pedido, será que o Irão pode entrar com igual pedido pelas invasões de Alexandre o Grande, pelo incêndio de Persopolis e pelo saque de milhões em tesouros? E poderá a Turquia pedir uma compensação pela destruição de Tróia?
É certo que a Grécia pode ir ainda muito mais longe pedir igualmente ao Irão compensações pela Invasão de Dario e de Xerxes.
Mas deixemos a brincadeira, pois quando se fala nesta “coisa” de História, as pessoas tem de entender uma coisa: Necessitam ter as mentes um pouco mais abertas e ver as coisas sob uma perspectiva histórica e não segundo paixões pessoais.
No acordo de 1953, as grandes potências com os Estados Unidos à frente, decidiram não castigar a Alemanha por forma a darem espaço para o seu crescimento e evitar novamente um sentimento de “vingança”. Assim, perdoaram a Alemanha de parte da sua dívida e em muitas situações, libertaram-na simplesmente de pagar. Quanto ao que tinha de pagar, ou seja, pagar a elas próprias, acordou-se no prolongamento do pagamento dessas dívidas e com uma taxa de juros indexada ao crescimento económico.
Muitos sustentam que a Grécia e até mesmo Portugal deviam beneficiar das mesmas condições que a Alemanha beneficiou , pois possibilitou, o chamado “milagre económico alemão” e à Alemanha não foram impostas políticas de austeridade. Mas tentando manter-nos focados, é importante não esquecer as circunstâncias em que esse acordo foi feito. Estávamos em plena Guerra Fria, onde para os EUA, o principal credor da Alemanha na época, a grande prioridade era a política de conter a URSS e a RFA era a melhor garantia nesse cenário. Nessa mesma altura, a RFA tornou-se membro da Aliança Atlântica e sua recuperação económica e militar era uma estratégia urgente da política americana. Além disso, a RFA ao contrário do que se passa hoje com estes países país tinha um enorme potencial industrial, por isso o seu tecido industrial poderia ser erguido com relativa facilidade, gerando excedentes comerciais, o que iria certamente beneficiar os seus credores.
Neste acordo, as potências deixaram de parte os pequenos países como a Grécia. Assim, talvez o governo grego deva perguntar a Paris, Londres ou Washington pelo dinheiro. Estou certo que eles ao contrário do alemães, estarão dispostos a serem mais justos.
Finalmente, julgo que tem de imperar o bom senso, pois esta questão parece-me mais um aproveitamento político e o reacender dos velhos ódios que mantiveram a Europa em guerra durante séculos.
Para todos aqueles que desprezam ou amaldiçoam a União Europeia, tem de ter atenção que esta Europa foi criada após a II Guerra Mundial. A Europa das Comunidades a qual está na origem da União Europeia, substituiu uma Europa destruída e avassalada por guerras. Esta Europa, abdicou da política do acerto de contas, das rivalidades religiosas e políticas. Esta Europa nasceu do sonho de criar uma nova forma de relacionamento entre os povos europeus, superando as trágicas rivalidades e antagonismo nacionais de forma duradoura. Não uma paz que fosse apenas um interlúdio para mais uma guerra.
Como todos os sonhos, este teve um preço e nos dias que correm, parece que um preço bastante elevado. O sonho europeu, não nasceu de um simples acordo entre vencedores e vencidos, pois não é dessa forma que se faz a paz e tão pouco a prosperidade. O sonho europeu, nasceu da generosidade, da cooperação mútua, na construção de uma nova política e numa nova moral. O sonho europeu nasceu da transferência de soberanias políticas para ma organização de confiança, prosperidade e mutualismo.
A paz só pode nascer através de um processo de reconciliação entre vencedores e vencidos, numa base de respeito mútuo e nos direitos universais. Isso é a Europa e e isso que torna a Europa um local diferente.
Os políticos de hoje, destruíram o sonho europeu e transformaram esse sonho em um quase pesadelo. Mas como se costuma dizer:” Quem semeia ventos, colhe tempestades”. Eu atrevo-me a dizer, que não existe outro caminho para a Europa do que não seja o da cooperação e o da União.
Infelizmente, milhares de pessoas não entendem nem o sonho, nem o legado europeu e começam a surgir por todos os cantos um ódio desprezível e nojento ou contra a Alemanha ou contra os estados do sul da Europa. Na base desse ódio, está o ancestral, néscio preconceito xenófobo com consequências imprevisíveis.