Não sei se é por causa do aborto ortográfico, erm… digo… acordo ortográfico, mas “cada vez mais fala-se mau Português”. Eu próprio posso não ser um talentoso orador e, como já referi em artigos semelhantes, também cometo os meus erros.
Mas ultimamente, escreve-se e fala-se de uma forma tão estranha, que às vezes pergunto-me onde é que certas pessoas aprenderam a escrever e a falar Português. E não, nem é bem só por causa do aborto ortográfico mas, talvez, também por algumas influências de outros países de língua Portuguesa que, dada a liberdade que esses países têm de falar como querem, acabam por distorcer de tal forma as nossas regras gramaticais e o nosso vocabulário, que muitos Portugueses, talvez influenciados por tantas telenovelas e afins, acabam por adaptar o que é deles e não o que é nosso e genuíno Português.
Curiosamente, ou não, é nos média onde encontramos uma mão cheia de erros. Ou será que houve outros acordos estranhos que eu desconheça?
Já agora “os média” e não “os mídia”, sendo que esta última palavra foi adoptada no Brasil pelo “aportuguesamento” fonético de “media” do Inglês Norte-Americano. Em Portugal usamos, pela aproximação latina original, a palavra “média”.
Mas vejamos algumas alguns casos, especialmente com contracções de proposições, entre outros:
Procuram-se: Artigos definidos
Pois é, os nossos artigos “o”, “a”, “os” e “as” parece que andam a desaparecer. Supostamente, salvo algumas excepções, penso que quando nos referimos a algo definido e usamos, por exemplo, a proposição “de”, devemos usar as seguintes contracções: “do”, “da”, “dos” e “das”. Mas nada disso! Para quê esse esforço e não usar sempre apenas “de”? Poupamos tempo a pensar se usamos ou não uma das contracções atrás referidas!
Onde encontramos muito este fenómeno nas notícias é quando se fala dos ministérios (ou deverei dizer “de ministérios”?). É o Ministério de Justiça, o Ministério de Educação, o Ministério de Economia, etc… em vez do Ministério da Justiça, o Ministério da Educação, o Ministério da Economia, etc.. Ou seja, passamos de algo que era definido, como a Justiça Portuguesa, a Educação e a Economia, para uma qualquer Justiça, Educação ou Economia. Assim, algo indefinido. Mas enfim, parece o estado da Nação! Parece que anda tudo muito indefinido! Mas este fenómeno também ocorre noutras narrativas como por exemplo “perto de casa de moeda” em vez de “perto da casa da moeda”, entre outras tantas. Basta ligar a televisão ou o rádio durante os noticiários e estar um pouco atento.
Outra proposição que tem andado a sofrer algumas “simplificações” é a proposição “a” que, quando aplicamos as contracções com os nossos artigos, deveríamos obter “ao”, “à”, “aos” e “às”. Curiosamente, a que tem sofrido maior “desgaste” é a contracção “à”. Ainda recentemente, ouvi a notícia de um homem que desapareceu e que poderia ter “caído a água”. Ora, espero que nem o homem tenha “caído à água” nem que a água tenha caído e se aleijado.
Também, sobre a Infanta Cristina de Espanha, nas recentes notícias ouvi “quer Cristina, quer marido”… Bom, o “quer Cristina”, sim, claro, ou então poderia ser “quer a Infanta Cristina”. Agora, “quer marido”? Não deveria ser “quer o marido”? É o que eu digo, alguém anda com fome de letras e a comer as vogais dos artigos definidos.
Conjugação dos verbos terminados em “-ar”
Ok! Eu sei… muitas vezes tem a ver com sotaques e formas de falar de diferentes regiões, mas cada vez mais noto as pessoas a fecharem a vogal na primeira pessoa do plural, do tempo passado, dando a ideia que se estão a referir ao tempo presente. Vejamos estes exemplos de verbos desta conjugação, na primeira pessoa do plural e nos tempos presente e passado:
Verbo | Presente do Indicativo | Pretérito perfeito |
---|---|---|
Amar | Nós amamos | Nós amámos |
Andar | Nós andamos | Nós andámos |
Detectar | Nós detectamos | Nós detectámos |
Escutar | Nós escutamos | Nós escutámos |
Falar | Nós falamos | Nós falámos |
Ganhar | Nós ganhamos | Nós ganhámos |
Gostar | Nós gostamos | Nós gostámos |
Lavar | Nós lavamos | Nós lavámos |
Nadar | Nós nadamos | Nós nadámos |
Parar | Nós paramos | Nós parámos |
Entre outros... |
Ora, se bem me recordo da primária, as regras nestes verbos era de fechar o “a” no tempo presente e abri-lo no tempo passado. Para distinguir os tempos, temos o “a” acentuado no tempo passado (pretérito perfeito) para indicar que o “a” deve ser aberto. Porém, e mesmo com acento, há muita gente por aí que parece ter-se esquecido desta simples regra e fecha sempre a pobre vogal, dando origem a confusões “temporais”.
Vejamos alguns exemplos hipotéticos e outros reais:
- Um amigo apresenta a namorada a outro amigo e este diz: “Sim, conheço-a. Também andamos juntos!”. O tipo dá um enxerto de porrada no amigo e acaba com a namorada… Mas afinal, eles já tinham era andado há uns tantos anos atrás…
- Dois amigos aproximam-se de um terceiro e dizem: “Nós falamos com um maricas”. Sem rodeios, o terceiro, que até pratica artes marciais, dá também uma carga de porrada nos dois amigos. Mas afinal eles tinham falado com um maricas momentos antes…
- Após dois amigos terem falado sobre um assunto e um deles diz “Pois… sobre aquilo” e o outro responde “Já falamos disso!”… e o outro: “Hum… mas não tínhamos já falado?”
- O padre na missa, durante a homilia, diz “a leitura que escutamos”… Bom, mas ó Sr. padre, aquilo que estamos a escutar agora não é o seu sermão? As leituras já escutámos!
Bom, enfim, fica aqui uma dica para darem uns exemplos engraçados nos comentários abaixo. Mas o facto é que há muita boa gente a falar assim e eu confesso que me mete uma confusão do caraças. Às vezes acabo até por entrar com as pessoas, tipo perguntando porque iremos fazer algo outra vez no presente se já fizemos no passado.
Já agora, volto mais uma vez ao caso do verbo “detectar” que, convenientemente, coloquei-o na lista dos verbos. É que com o aborto, ao retirarmos o “c”, lá fica uma coisa que parece um pouco “obscena”. Vejamos… “detetamos”, e lendo o “e” do “te” fechado, faz lembrar-me tetas… Estamos a tirar tetas? Bom… Ok…
Onde também ouvimos muito destas coisas estranhas é, mais uma vez, nos média. Não vou estar aqui a indicar o canal X ou o posto de rádio Y, até porque este tipo de erros fonéticos, e por vezes até nos textos de rodapé, parecem estar a tornarem-se virais.
Daí eu ficar a pensar se além de um “aborto” ortográfico, teremos agora um “aborto” fonético.
Há mais casos, mas por agora vamos ficar por aqui! Obrigado por ler e contribua nos comentários!
Este artigo foi escrito com a antiga grafia.
Quando, no início dos anos 70, um novo Acordo Ortográfico eliminou os acentos grave e circunflexo em palavras com o sufixo “-mente” e com sufixos iniciados por “z” (-zinho, -zito…), foram inúmeras as confusões e os mal-entendidos. Ouvia dizer-se: já não há acentos em português, o acento circunflexo e o acento grave deixaram de existir, agora já não sabemos escrever, etc. etc.
Assim, depois deste Acordo, qualquer palavra acentuada, que seja acrescentada de um sufixo (“-mente”, “-zinho”, etc.), perde o acento:
só – somente; sozinho (antes do Acordo de 1971: sòmente; sòzinho)
avô, avó – avozinho, avozinha (antes do Acordo de 1971: avôzinho; avòzinha)
café – cafezinho, cafeeiro (antes do Acordo de 1971: cafèzinho, cafèeiro)
cortês, órfão – cortesmente, orfãozinho (antes do Acordo de 1971: cortêsmente, òrfãozinho [NB: o til não é um acento] )
Desta maneira, depois do Acordo de 1971, o acento grave (`) passou a existir, unicamente, nas seguintes palavras portuguesas: “à / às” e “àquele / àquela / àqueles / àquelas” (“eu vou à praia”; “eu vou àquela praia”)
Se, nessa altura, houvesse Internet tal como hoje, os protestos seriam inúmeros – e muita gente revoltar-se-ia contra tal absurdo, “fruto do impulso de gente ignorante e com pouca cultura”, “nunca seremos colaboracionistas e cooperantes de uma ESTUPIDEZ deste calibre”, “Trouxe vantagens? Nenhumas. Nunca se escreveu com tantos erros em Portugal, como presentemente”, “Ó gentinha ignorante!!!!!! “, “Fique com a sua ortografia terceiro-mundista, que eu ficarei com a ortografia CULTA da Língua Portuguesa”…
Deliciei-me a ler este longo, pertinente e saboroso texto da autoria de Agostinho de Campos, na Introdução ao terceiro volume da antologia “Paladinos da Linguagem” (ed. Livrarias Aillaud e Bertrand, 1923).
Como Bocage, eu diria: “Zoilos, estremecei, rugi, mordei-vos”!…
https://ciberduvidas.iscte-iul.pt/…/o-caos-grafico/3515