COMO ERA A ENTIDADE?
As descrições das aparições relatadas por Lúcia ao longo de interrogatórios de 1917, levantam sérias dúvidas quanto à identidade e proveniência da “Senhora”. Pela análise dos depoimentos e escritos de Lúcia, em nenhum momento a entidade disse ser a Virgem Maria. Lúcia terá confessado a dificuldade em se lembrar se a entidade terá dito “Sou a Nossa Senhora do Rosário” ou se lhe terá pedido simplesmente para “construírem naquele local uma capela em honra de Nossa Senhora do Rosário”. Quando Lúcia lhe perguntou de onde vinha, a entidade limitou-se apontar para cima, mas para um povo maioritariamente analfabeto, voltado para a devoção religiosa, quem mais poderia ser?
As crianças descrevem a entidade da seguinte maneira:
Uma figura feminina, muito bela, de olhos negros, envolvida por uma luz que cegava. Tinha cerca de 1,10 m de altura e aparentava uma idade entre os 12 e os 15 anos. Usava uma saia branca e dourada, com cordões ao comprido. Um manto tipo capa que descia até à orla do vestido que não ultrapassava os joelhos. Umas vezes vinha descalça, outras vezes trazia meias. Lúcia admite os pés descalços, «porque eu não lhe diferençava os dedos». Trazia algo na cabeça que lhe cobria as orelhas e os cabelos. Pendia-lhe do pescoço um cordão com uma bola luminosa à altura da cintura. A Senhora não demonstrava ter movimentos nos membros inferiores. Francisco declara:
– “Não caminhava. Ia certinha, não mexia os pés. Deslizava em direcção a um ponto do céu”.
Curiosamente, partia de costas e desaparecia pouco a pouco. Os videntes testemunham que :
– “À saída abria-se o céu e ficavam os pés entalados e o corpo já escondido…” “….Primeiro foi a cabeça e depois o corpo. A última coisa que vi foram os pés” (Lúcia).
Na cabeça, um véu, manto, resplendor, cestinho de ouro” riquíssimo e deslumbrante, deixando à vista a testa, enquanto os cabelos estavam cobertos pelo manto. Jacinta e Francisco afirmam não ter visto orelhas, mas Lúcia afirmaria que lhe vira “umas argolas pequenas”. A Senhora “nunca sorriu ou se mostrou triste. Nunca dirigiu o olhar para a multidão, nem se benzeu, rezou ou desfiou as contas do terço“.
Quer os videntes, quer as testemunhas fazem referências a um tipo de ruído emitido pela entidade e descrito como um “zumbido de abelha no interior de um cântaro” que se produzia sempre que a Senhora falava com os videntes, sem mover os lábios”. Francisco sempre disse que não a ouvia falar “Não mexia os beiços”. Se a Senhora não falava, fazia-se entender através de um meio desconhecido e que produzia um zumbido ouvido pelas testemunhas mais próximas das crianças.
Nos relatos de 1917, Lúcia refere uma “senhora muito brilhante que trazia nas mãos uma bola luminosa….voltou a palma das mãos para cima e os raios que delas brotavam pareciam reflectidos pelo Sol”. De assinalar que a “bola luminosa”, descrita por Lúcia foi transformada nas suas Memórias em 1941, no “Coração da Imaculado de Maria”
Esta mãe de Jesus tem pouco ou nada a ver com o estereotipo da Virgem ou de cunho religioso, e a descrição não deixou de preocupar a Igreja, o que obrigou a inevitáveis correcções, sobretudo, o comprimento do vestido. Esta Senhora tinha muito pouco de divino, assemelhando-se muito mais a uma cabeça grande e calva, desproporcional ao corpo, sem orelhas visíveis, vestindo uma espécie de fato e na mão uma bola de luz.
Tal como Lourdes, também a imagem reproduzida da Senhora de Fátima, não corresponde à descrição inicial da Entidade. O operário a quem coube a execução da tarefa, «inspirou-se numa imagem de Nossa Senhora da Lapa, da Casa Estrela”, que correspondia naturalmente às conveniências do religiosamente correcto.
O MILAGRE DO SOL
O dia 13 de Outubro de 1917 amanheceu cinzento. Começou a chover, encharcando a multidão impaciente. Subitamente….um estrondo…. surgiu uma nuvem vinda do leste. A chuva diminuiu até cessar por completo. “Surgiram nuvens de várias cores que se misturaram com as naturais e dentro das nuvens havia como que um espectáculo de fogo-de-artifício. Da nuvem escura terá saído outra mais pequena que se deslocava “direitinha, paralela à terra”. O Sol, até então encoberto, mostrou-se….Surgiu um globo luminoso que se movia do nascente para o poente, deslizando lento e majestoso através do espaço. Tinha forma oval, com o lado maior voltado para baixo. Esse globo ou esfera … rompe, em todo o esplendor, uma nuvem ou chama vermelha brilhante.” “Um disco muito claro, azul-prateado, sem raios, que, logo retomando a cor natural, começa rodando vertiginosamente sobre si mesmo…De repente, um disco luminoso como que se destacou do Sol, ou antes, se lhe antepôs, baixando visivelmente.”
Lúcia refere sempre o relâmpago que antecedia as aparições, era acompanhado por um barulho de trovão, de rumor, de estrondo, bater de palmas, detonação de bombas. Outros sentem ruídos subterrâneos que assinalam a chegada e partida da Senhora.
O o bjecto avistado e identificado era um Sol estranho, achatado, com um contorno tão bem definido que mais parecia um imenso disco de prata. Brilhava com intensidade jamais vista, mas não cegava,” começou a dançar no céu.” Girou rapidamente, parou por alguns instantes e recomeçou a girar novamente sobre seu eixo de maneira vertiginosa. As bordas daquele disco de prata “tornaram-se vermelhas e ele deslizou como um redemoinho, espalhando chamas de fogo. Jorravam cascatas de luzes verdes, vermelhas, azuis e violetas, de variadas tonalidades, que se reflectiam no solo, nas árvores, nos arbustos, nas roupas e nas próprias faces das pessoas”. Executando um movimento ilógico, o objecto tremeu e sacudiu antes de baixar sua altitude significativamente, voando em zigue-zague, sobre a multidão apavorada. O disco então parou por alguns minutos, como se concedesse um intervalo de descanso para os espectadores, para logo em seguida recomeçar os movimentos e emitir mais luzes flamejantes. Após nova pausa, a dança recomeçou, tão magnífica quanto antes.
Entre todas as maravilhas assistia-se ainda à queda daquilo que foi descrito como pétalas de rosa. Sabe-se que essas pétalas de rosa são denominadas como “Fibralvina”.
Muitas pessoas conseguiram distinguir figuras antropomórficas dentro do Sol, cuja identidade, na época, só podia ser conotada com as figuras da crença católica. Uma testemunha afirmou ter visto uma rampa de luz, vinda de cima até à azinheira. Ele próprio lhe chamou “estrada”. A Entidade descia, portanto, por uma “estrada luminosa, por uma rampa de luz”.
De repente, o globo, com a sua luz extraordinária, desapareceu. “As nuvens foram desaparecendo a pouco e pouco do firmamento, que ficou limpinho, sereno e azul”
Até que, por fim, Lúcia disse:
– “Pronto! Agora é que não se vê. Já entrou para o céu e já se fecharam as portas.”
As descrições dos fatos retirando as interpretação religiosas dadas através de crentes que conviveram com um fenómeno de cariz religioso, podemos concluir que a maioria das testemunhas presentes se encontrava numa faixa com cerca de 70 m de largura. Todas as testemunhas alegaram ter sentido efeitos físicos e fisiológicos durante o fenómeno nos cerca de 10 minutos em que o “Sol” se aproximou da multidão — estavam contidas nesta área específica de terreno. As sensações descritas foram desde um calor súbito e secagem imediata das roupas, “curas milagrosas”. Todas estas reacções ocorreram imediatamente após a aparente descida do objecto descrito como sendo o Sol.
Parece que estamos perante a hipótese de uma manifestação de grande amplitude energética, procedente de uma fonte externa às testemunhas e ligada ao objecto. O fenómeno assistido por milhares de pessoas, nada teve de religioso. O que milhares de pessoas viram foi um objecto voador não identificado que transportava uma ou mais entidades.
Os Segredos
No seu retiro, Lúcia aprende finalmente a ler e a escrever e na clausura alega novas visões com a Virgem, com Jesus Cristo, entre outras entidades celestes. Redige cartas e memórias que em regra geral, entram em conflito com os seus depoimentos de 1917. Um dos exemplos mais acabados é o da versão, sempre alterada, do «fim da guerra».Nessa data, havia referido que os segredos apenas diziam respeito a ela a e aos primos, mas agora o seu depoimento sofre alterações drásticas. Este novo relato é totalmente desconhecido e novos elementos foram incorporados na versão de 1941. Lúcia, influenciada pelos seus confessores, passaria a ter a missão de consagrar o mundo inteiro a Nossa Senhora. Afirma então que Virgem lhe anunciara em 1917 uma nova guerra que teria início no “reinado de Pio XI”, um erro cronológico que Lúcia manteve na sua “Memória” tardia, já que a guerra de inicia no pontificado de Pio XII.
No 1.º segredo, em Agosto de 1941, Lúcia refere uma visão do inferno que terá sido relatada pela Senhora, revelando um cenário de gemidos, gritos, dor e desespero. A única forma para o mundo de salvar do horror e da devastação, era Deus estabelecer no mundo a devoção a seu Imaculado Coração. O relato do segredo bem como a “previsão” da II Guerra-Mundial ou dos seus sinais é feito em 1941, por isso não funciona muito bem como previsão. De registar que a Senhora não esquece Portugal: “Em Portugal conservar-se-á sempre o dogma da Fé”.
No 2.º segredo, a entidade mostra muito interesse pela política e alerta contra a ameaça comunista. Só se o papa convertesse o mundo ao “Imaculado Coração de Maria“, se evitariam novas guerras e a Rússia se converteria.
A senhora parece partilhar as posições políticas do Vaticano. Pio XI, afirmou que o comunismo é intrinsecamente perverso e apela a uma mobilização internacional, uma cruzada de oração pela Rússia. A ideia de conversão da Rússia transitara já do pontificado de Pio X, do Papa Bento XV, Pio XII e depois por João Paulo II. Lúcia, alertada pela Senhora, passa a ter a missão de uma luta contra Moscovo e atribuem à Igreja um papel universal. Infelizmente a Senhora do Rosário nada disse relativamente ao fascismo europeu, Hitler, Mussolini, o extermínio de milhões de pessoas ou o lançamento de duas bombas atómicas, preferindo diabolizar a Rússia como fonte de erros e promotora de guerras.
O 3.º segredo, foi descrito por Lúcia na sua “Quarta Memória“, em 1944. Lúcia escreve que, por ordem da Virgem, o segredo não devia ser revelado ao mundo antes de 1960. No entanto, acabou remetida para Roma, onde foi lida pelo papa João XXIII e pelo cardeal Alfredo Ottaviani. Mais tarde seria lida por Paulo VI. Todos eles tiveram conhecimento do seu teor, mas decidiram não o revelar. O segredo acaba por ser revelado em 2000 pelo Papa que veio do Leste e previa que um “Bispo vestido de branco caminhando penosamente para a Cruz por entre os cadáveres dos martirizados bispos, sacerdotes, religiosos, religiosas e várias pessoas seculares, cai por terra como morto sob os tiros de uma arma de fogo e setas”.
Esta 3.ª parte do segredo, talvez tenham maravilhado os crentes, mas constituiu uma enorme desilusão para agnósticos e ateus. Se o “Bispo vestido de branco” é o papa, dever-se-ia ter verificado a sua morte, mas João Paulo II, embora gravemente ferido, não só não morreu como viveu mais 23 anos. Uma profecia que prevê a morte violenta de um papa à semelhança de tantas outras profecias, quando esta, na realidade, não se realiza não é uma verdadeira profecia. O temido terceiro segredo resume-se a uma conveniente profecia à posteriori de que a Virgem teria intervindo no dia 13 de Maio de 1981, para desviar uma bala que quase matou o papa João Paulo II.
Com este segredo, ficamos a saber que o comunismo chegou ao fim não graças a processos políticos como a glasnost ou perestroika levadas a cabo na União Soviética. Sequer aos movimentos populares com ânsia de democracia, mas sim às orações dirigidas à Nossa Senhora. A instância máxima da religião católica subestima a inteligência até dos seus fiéis. Com uma desfaçatez e uma arrogância incrível, pretendeu convencer a todos de que Karol Woytila, era um protegido por Nossa Senhora, que mereceu um capítulo profético inteiramente dedicado a ele.
Acerca de Lúcia, o Sr. Oliveira Santos, (filho de Artur de Oliveira Santos, administrador do concelho que, em Agosto de 1917, interrogou Lúcia, Jacinto e Francisco) contou que assim falava António Santos, pai de Lúcia:
“O sr. administrador não acredite na minha filha, que ela é uma intrujona!”
EPÍLOGO
Em Maio de 1917, Lúcia Santos, de 10 anos, Francisco e Jacinta Marto, de 9 e 7 anos, iniciaram provavelmente o maior movimento religioso da História de Portugal. A “Senhora” que vinha do céu, falava sem mexer os beiços, desce à Terra numa nuvem de fogo que chega com um enorme estrondo, tem conseguido suster um Deus com problemas de controlo de ira. Esta Senhora não surge às crianças como uma mãe consoladora e libertadora do terror e do sofrimento. Esta Mãe fala do inferno, diz que vai levar em breve duas delas, fala de guerra, de morte, de política, de arrependimento, de penitências. Ela pede que se sacrifiquem, que rezem, rezem e tornem a rezar para que Deus desista da sua ira castigadora e destruidora, deixando de pedir o sangue, muito sangue, de vítimas inocentes.
Ainda hoje muita gente continua a dizer “Sim” a um Deus que tem habitado o nosso inconsciente colectivo e que não ouviu falar da boa nova libertadora de todo o medo, que é na verdade a mensagem de Jesus. Sim, ao Deus dos doentes, o Deus das aflições, um Deus que apavora, inspira medo, castiga, nos dá e tira a vida conforme o humor de momento. Um Deus que exige sacrifícios de crianças até ao limite das forças e da vida. A Senhora, anuncia a estas crianças que Deus está cansado dos pecados dos Homens e que a sua ira está a ponto de atingir os limites, mas Deus não destruirá o mundo, se elas aceitarem sofrer e fazer toda a espécie de sacrifícios por medo a Deus e ao mesmo tempo, rezarem muitos terços.
Esta ideia repugnante de Deus constitui uma das principais causas que explicam o desenvolvimento do ateísmo no mundo e no entanto, uma das recomendações que a “Senhora vestida branco” deixou às 3 crianças foi a de que aprendêssemos a ler, ou seja, apelou à educação e ao conhecimento. Através da educação e do conhecimento, aprendemos a respeitar os outros e a sermos melhores e não através de penitências, mortificações e muito menos de rezas.
Se Fátima é aquilo que fizeram dela, então é uma vergonha e se o catolicismo acredita em tal coisa, então ser agnóstico é muito mais digno e para um não cristão, Fátima é uma condenação desprezível do cristianismo. Jesus da Nazaré, acolhe os pecadores, beija os leprosos, mas esta mãe de Jesus pede sacrifícios e rezas e a mensagem de Fátima cai ingloriamente numa narrativa messiânica de luta contra o comunismo.
Fátima é uma manifestação de idolatria levada a cabo por milhares de pessoas e esta mensageira de Deus, convenceu 3 crianças a rezarem, a não comerem e a se auto-flagelarem. No mesmo santuário, centenas de pessoas humilham-se e rastejam em penitência para receberem as boas graças. São os crentes que fazem centenas de km a pé, que se se sacrificam, degradando na verdade, a mensagem de Jesus Cristo. De facto é muito fácil ser-se agnóstico ou ateu perante tudo isto!
Fátima tem sido para os portugueses, bem como para a própria igreja católica, mais uma trapalhada. As ”aparições marianas” relevam meras manifestações muito discutíveis mesmo no seio da hierarquia católica, no entanto vencidas as resistências iniciais e com a popularização do fenómeno, a Igreja Católica apropriou-se de Fátima e não tardou a perceber a imensa vantagem e os dividendos que lucra em vez de a negar.
Não terás outros deuses diante de mim. Não farás para ti imagem de escultura, nem alguma semelhança do que há em cima nos céus, nem em baixo na terra, nem nas águas debaixo da terra. (…)
O essencial nas crenças religiosas não é a racionalidade ou o conhecimento, mas sim o dogma de fé, nem que para isso seja necessário o recurso ao milagre em que o Sol dançou e violou todas as leis do conhecimento e tudo isto para dar crédito à veracidade comprometedora das aparições. Se analisarmos o fenómeno sob o ponto de vista teológico e filosófico, Fátima arrasa por completo a ilusão de que foi a mãe de Jesus quem apareceu a 3 crianças. Mas independentemente das interpretações que possamos fazer acerca das aparições e separando os dogmas cristãos, negar que algo se passou naquele dia e que foi presenciado não só pela massa de fiéis, mas igualmente por jornalistas, ateus e cépticos, é promover a alienação e a verdade científica. Mas por força das nossas limitações humanas, cada um é livre de acreditar naquilo em que quer acreditar.