Por vezes, a linha que separa a glória do triunfo militar da derrota e da humilhação é muito ténue. Na guerra do Atlântico, essa linha voltou a surgir num episódio célebre e que envolveu provavelmente o navio de guerra mais conhecido e mítico da História. Esse navio era o Bismarck que após ter infligido uma humilhante derrota à Marinha de guerra Inglesa, a Marinha Real empenhou-se em vingar o Hood e também infligir uma dolorosa perda moral à Kriegsmarine, que certamente a enfraqueceria drasticamente.
Considerado o navio de guerra mais bem equipado do planeta, o Bismarck era o orgulho da Marinha de guerra alemã, com os seus 251 metros e 50 000 toneladas. Apesar da “Era do Couraçado” estar a chegar ao fim com o advento da aviação moderna e do porta-aviões e mesmo que naquele momento, estivessem para ser lançados os navios japoneses Yamato e Musashi e o americano Missouri ,com poder de fogo e blindagem bem superiores ao Bismarck, este era um maravilhoso feito de engenharia e nenhum deles teve a fama do Bismarck.
Além do Bismarck, saíram dos estaleiros da Blohm & Voss, em Hamburgo, o Scharnhorst, Gneisenau, o Prinz Eugen e o Tirpitz, caracterizados pela extrema concentração de tonelagem articulada com uma excelente artilharia de bordo que os colocaram na vanguarda das embarcações de guerra do seu tempo.
Em meados de Maio de 1941, as possibilidades de vitória da Inglaterra eram uma miragem. No mar a situação era quase crítica e eis que são assinalados no Atlântico, 2 grandes navios de guerra alemães. Se o “Prinz Eugen” e o “Bismarck” se reunissem ao “Scharnhorst” e “Gneisenau” seria um desastre para a marinha mercante britânica. Mas, como se opor a estes monstros de aço, e muito especialmente ao Bismarck, reputado inafundável? A resposta de Churchill foi incontestável e breve: “Afundem o Bismarck!”.
O Bismarck e o Prinz Eugen, partiram do Báltico com o código de operação Rheinübung, “Exercício Reno e era o seguimento da Operação Berlim, levada a efeito pelos couraçados Scharnhorst e o Gneisenau. Estes haviam semeado o terror no Atlântico afundando cerca de 22 navios, mas não puderam seguir em missão devido a problemas mecânicos.
Sir John Tovey, o comandante da Home Fleet, dispunha de uma esquadra composta por 2 navios de linha (“King George V” e o “Prince of Wales”); 2 cruzadores (“Hood” e “Repulse”) e o porta-aviões “Victorious”. À 1.ª vista a balança parecia desequilibrada, mas o “Bismarck” era maior que qualquer couraçado britânico e calculava-se que fosse mais rápido.
Os navios ingleses eram na verdade bastante inferiores aos adversários. O “Repulse” estava pobremente armado e blindado e tinha já 25 anos antes; faltava-lhe raio de acção. O “poderoso Hood” apesar dos seu 20 anos de serviço, era considerado o navio mais poderoso da armada inglesa. O “Prince of Wales” era novo de mais e duas das suas torres tinham sido colocadas apenas 3 semanas antes e a sua tripulação estava mal preparada. O porta-aviões “Victorious” tinha uma tripulação muito mal preparada e acabava de embarcar os seus aviões. O “King George V”, era o único que verdadeiramente, estava apto a defrontar o “Bismarck”.
No dia 23 de Maio de 1941, às 19.22 h, a frota alemã foi avistado perto da Dinamarca. O comandante Ellis, comandante do “Suffolk”, mudou imediatamente de rumo para se abrigar dentro do nevoeiro e assinalou o inimigo, pois os navios alemães estavam a menos de 13 km, uma distância irrisória para os canhões que podiam atirar a quase 40 km. Conservando o contato pelo radar, manobrou de maneira a deixar o “Bismarck” ganhar distância e a tomar na sua retaguarda um lugar que lhe permitisse seguir a pista sem ser ele próprio assinalado. Sem tirar os olhos dos pontos brancos representando os navios inimigos sobre o radar, viu estes cortarem o seu caminho rapidamente. Ellis saiu do nevoeiro, avistou-os a 15 milhas e lançou-se na sua perseguição, enviando, ao mesmo tempo, uma série de mensagens.
Às 20.30 h, depois de uma hora de marcha a toda a velocidade, o “Norfolk”, saiu do nevoeiro e avistou o “Bismarck” e o “Prinz Eugen”. O comandante Philips ordenou que o navio se refugiasse rapidamente no nevoeiro, ao mesmo tempo que cobria a sua fuga com uma cortina de fumo. Mas, desta vez, o “Bismarck” não se deixou surpreender e iniciou um tiro preciso. Três salvas de 380 mm enquadraram o “Norfolk” e uma outra bomba caiu no seu rasto. Por sorte o cruzador não foi atingido e reentrou no nevoeiro sem avarias.
Abrigado no nevoeiro, o “Norfolk” manobrou como o “Suffolk” para tomar um lugar de observação na retaguarda do inimigo. Colocou-se na sua ilharga, de bombordo, para ficar bem seguro de que o “Bismarck” não poderia escapar nesta direção. E foi assim que se principiou a perseguição.
A esquadra do contra-almirante Holland, composta pelo “Hood”, o “Prince of Wales” e 6 “destroyers”, forçava a marcha para cortar o caminho ao inimigo. Ás 5.35 h do dia 24, avistou os navios alemães e virou de rumo para se aproximar.
A uma distância de 23 km, o “Hood” e o “Prince of Wales” abriram fogo sobre o “Bismarck” e sobre o “Prinz Eugen”, que responderam imediatamente disparando sobre o “Hood”. O “Prinz Eugene” atingiu o alvo com o seu primeiro tiro em menos de um minuto. O incêndio que se declarou à abertura do mastro da ré alastrou rapidamente até à proa. O “Bismarck”, por sua vez, já enquadrara muitas vezes o navio inglês e atingiu-o certeiramente. As chamas no “Hood”, elevaram-se até muitas centenas de metros de altura. Uma gigantesca coluna de fumo elevou-se no ar e o “Hood” explodiu pelo meio e partiu-se em dois, desaparecendo em alguns minutos. Cerca de 30 mil toneladas de aço foram para o fundo do mar, visto ter explodido o seu paiol de munições. Mais de 1.400 marujos pereceram com ele, só três sobreviveram. O desaparecimento do “Hood”, o orgulho da marinha britânica, foi traumático. Uma geração completa de marinheiros fora educada na ideia de que o “Hood” era o mais poderoso navio de guerra do mundo.
O “Prince of Wales” enfrentaria agora, completamente só, o furor do inimigo. Uma salva de 380 mm do “Bismarck” fez levantar uma muralha de água mesmo junto aos flancos do couraçado inglês. De seguida, em intervalos de 12 segundos, seguiram-se rapidíssimos repuxos de água mais pequenos levantados por obuses de 150 mm do “Bismarck” e pelos projéteis do “Prinz Eugen”.
Um obus de 380 mm atingiu a torre de comando, atravessou-a e foi explodir do outro lado. A torre de comando converteu-se num monte de destroços; todos os oficiais e os homens morreram ou ficaram feridos. A situação agravou-se ainda mais, quando os canhões se recusaram a disparar. O “Prince of Wales” foi atingido por 2 projéteis que lhe atravessaram os flancos pela altura da linha de flutuação e vários compartimentos foram inundados, sendo obrigado a retirar-se do combate.
O Bismarck não saiu ileso da batalha: foi atingido no seu flanco o que causou uma fuga de óleo, esgotando o seu suprimento e contaminando os outros tanques de combustível. O almirante Gunther Lütjens percebeu que isso significaria o fim da jornada do couraçado pelo Atlântico e dirigiu-se para reparações em Saint-Nazaire, sentido Sul – ainda que a prudência o recomendasse a seguir sentido Norte, para as altas latitudes norueguesas.
Se era necessário afundar o Bismarck, antes da catástrofe, agora a sua destruição impunha-se duplamente. Apesar de se ter assinalado, mais tarde, que o navio alemão deixara atrás de si um longo rastro de petróleo, ele continuava a navegar para sudoeste, a todo o vapor, e na aparência intacto. Na mesma altura, atravessavam o Atlântico vários comboios, quase sem protecção. A situação podia redundar num desastre, o que levou o Almirantado a tomar rigorosas disposições.
Comandado pelo contra-almirante sir James Somerville, a força H compreendia o cruzador “Ronown”, o porta-aviões “Ark Royal”, o cruzador “Sheffield” e seis “destroyers”, encontrava-se em Gibraltar. A sua missão normal era impedir a passagem do estreito à frota italiana. Foi resolvido lançá-la em perseguição do “Bismarck”. Por outro lado, o couraçado “Ramillies” e o Rodney, receberam ordens para interceptar o “Bismarck”. Seis horas depois da destruição do “Hood”, dois novos couraçados, um cruzador de batalha, um porta-aviões, três cruzadores e nove “destroyers” juntaram-se, à perseguição.
Pelas 18.30 h, o radar do “Suffolk” indicou que se aproximava rapidamente do inimigo. Temendo uma surpresa, Ellis virou de bordo e aumentou ao máximo a velocidade do seu barco. Nesse momento, o “Bismarck” saiu de entre a bruma, direito à proa, abrindo fogo com todas as peças. Ellis mandou estender uma cortina de fumo e conseguiu esconder-se.
Os ingleses temiam que o “Bismarck” usa-se a sua velocidade para se escapar durante a noite. Restava só um meio de diminuir a sua marcha: mandar atacá-lo antes de cair a noite, pelos aviões do “Victorious”. Os aviões lançaram-se sobre o “Bismarck”, cada um conseguiu enviar um torpedo e todos puderam voltar ao porta-aviões. Viu-se um torpedo explodir, no entanto, o andamento do “Bismarck” não diminuiu.
Pela meia-noite, os “destroyers” que acompanhavam o “King George V” tiveram de o abandonar para alcançar a Islândia. Em breve, também o “Repulse” teve de se afastar para reabastecer. A situação piorou ainda mais às 3 h e 30 da madrugada de 25 de Maio, porque o “Suffolk” perdeu o rastro do “Bismarck”, e só 31 horas e meia depois deveria voltar a avistar o inimigo.
A 26 de Maio, pelas 10.30h, o “Bismarck” foi avistado por um “Catalina”. Os britânicos perderam um tempo precioso fazendo uma longa volta na direção do mar do Norte. Depois de se terem encontrado quase à ilharga do inimigo, estavam agora longe, muito para além da sua retaguarda. Se o “Bismarck” continuasse a encaminhar-se para França num andamento normal, tornar-se-ia impossível reencontrá-lo, porque o esgotamento dos depósitos ingleses impedia qualquer esforço prolongado a grande velocidade.
O “Bismarck” distanciara-se cerca de 50 milhas do “King George V” e em breve poderia beneficiar da cobertura aérea. Toda a esperança dos ingleses residia nos aviões do “Ark Royal”. Assim que a posição do inimigo foi dada pela rádio, prepararam-se 15 aviões. Às 14.50 h descolaram para atacar o “Bismarck”, que se encontrava a 40 milhas de distância.
A força de ataque voando entre a chuva e nevoeiro, detetou um navio sobre o quadro do radar, no sítio onde, pouco mais ou menos, esperavam encontrar o “Bismarck”. Pensando que se tratava do navio inimigo lançaram-se ao ataque. Picaram sobre o navio, não reconhecendo que na realidade este se tratava do “Sheffield”. A bordo do “Sheffield”, o capitão-de-mar e guerra Larcom, ficou em pânico quando se apercebeu que os aviões picavam sobre o seu navio. Instantaneamente deu ordem para forçar o andamento, à velocidade máxima, e virou de rumo tentando fugir ao ataque. O “Sheffield” não disparou um só tiro e quase por milagre, escapou. O erro de identificação quase que se transformou num desastre.
Regressou ao “Ark Royal” uma formação muito desnorteada. Apesar da violenta oscilação do barco, os aparelhos reabasteceram-se de gasolina e de torpedos. Às 19 horas os aviões agrupavam-se, de novo, na coberta do navio e a formação estava pronta para partir.
Os aviões lançaram-se sobre o “Bismarck”. O canhoneio durou alguns minutos. Em seguida voltou a calma. No regresso das esquadrilhas verificou-se que 5 aparelhos haviam sido danificados pelo tiro inimigo e apenas um avião se despedaçou no mar. Depois de se terem interrogado as tripulações, pôde estabelecer-se que um dos torpedos atingira em cheio o alvo. O “Bismarck” mudou de rumo e dirigia-se agora para o norte. Porque se comportaria ele de maneira tão estranha, que parecia conduzi-lo ao suicídio?
Na madrugada de 27 de Maio, o “Bismarck” foi torpedeado pelo “Maori”, pelo “Cossack” e pelo “Sikh”, contudo, nenhum deles o atingiu. Às 8.15h, o “Norfolk” avistou o “Bismarck” a cerca de 8 milhas à proa e assinalou-a ao “King George V”, que seguia a alguma distância, em companhia do “Rodney” e de seguida o “King George V” juntou-se à batalha.
O “Bismarck” conservou-se silencioso durante dois minutos; depois, por seu lado, juntou-se ao concerto. A sua terceira salva enquadrou o “Rodney” e quase o atingiu.
Às 8.54 h , as armas de 203 mm do “Norfolk” abriram fogo a 18 000 metros. O “King George V” e o “Rodney” a distâncias inferiores, disparavam os seus armamentos secundários. Às 9.04 h, juntou-se à batalha o cruzador “Dorsetshire”. Durante os minutos que se seguiram, os couraçados ingleses aproximaram-se ainda mais do “Bismarck”. Era visível que estava gravemente atingido. Do “Norfolk” podiam observar-se 2 dos canhões de 380 mm da proa; estavam em ângulo morto.
A uma distância cada vez mais curta, os dois couraçados britânicos martelavam o “Bismarck”, não só com o seu armamento principal, mas também com as peças secundárias. A bordo do “Bismarck” produzira-se uma violenta explosão à ré da torre 2, cuja parte superior voara por cima da ponte de comando. Um outro tiro no alvo atirou ao ar, e depois por cima da amurada, a torre de direção de tiro da artilharia principal.
A velocidade do “Bismarck” era agora, praticamente a zero.
Pelas 10 horas, do “Bismarck” só restava um destroço desamparado e silencioso, sem mastros nem chaminé. O interior do navio era apenas uma fornalha e, através de numerosos buracos de obuses e rasgões no casco, avistava-se as chamas. Contudo, o “Bismarck” continuava sem arriar a sua bandeira e embora reduzido à impotência e rodeado de inimigos, recusava-se a render-se.
O “Rodney” disparava enormes projéteis de 406 mm e um torpedo do “Rodney” atingiu-o. O “Bismarck”, no entanto, continuava a flutuar! Às 10.15 h sir John Tovey ordenou ao “Rodney” que seguisse atrás do “King George V”. Enquanto ele se afastava, o “Dorsetshire” lançou 2 torpedos a estibordo sobre o costado do “Bismarck”. Um explodiu por alturas da ponte de comando. O cruzador, em seguida, passou para o outro lado, para lançar novo torpedo, que, igualmente, alcançou o alvo. Silenciosamente, o monstruoso destroço, cuja bandeira ainda flutuava, desapareceu nas ondas e com ele 2.200 tripulantes morrera, incluindo o almirante Lütjens. Pouco mais de uma centena de marinheiros foram salvos pelas embarcações britânicas presentes na área.
O poderoso “Bismarck” morrera, enfim depois de uma admirável resistência contra forças superiores.
Desvendando o Mito
Aparentemente o Bismark visto de fora era idêntico a qualquer navio, mas o diferencial era o seu projeto interno, onde abaixo da linha de flutuação tinha cinco paredes de aço, que se juntavam a vários compartimentos estanques. As instalações dos marinheiros eram pequenas, pois além dos aspirantes havia também centenas de pessoas que não tinham função específica, tornando as acomodações muito apertadas, o espaço que em outros navios era reservado para dormitórios, e refeitórios, foram transformados em proteção extra aos complicados compartimentos do casco.
A História relata que os ingleses destruíram o poderoso Bismarck após este ser atingido por torpedos, mas tal relato não é verdadeiro, uma vez que nas expedições ao fundo do mar confirmaram que o casco do Bismarck se encontra intacto. A verdadeira causa do afundamento está no fato de que a tripulação apercebendo-se da aproximação dos britânicos e após uma luta de duas horas em que enfrentaram uma desproporção gigantesca de forças, abriram buracos no seu casco por forma a impedirem que os ingleses tomassem o navio.
O Bismarck somente foi afundado devido ao grande número de aviões e navios que o cercaram. Além disso, com o leme avariado devido ao ataque de aviões Swordfish, o que o obrigou a navegar em círculos, sendo impossível escapar do cerco britânico, que atacou sem piedade o navio e sua tripulação.
Nunca um navio de guerra tinha sido tão castigado, e pouco a pouco ele começou a tombar para a esquerda, fazendo a água entrar pelos buracos no casco, inundando os diversos conveses em sequência, avançando por entre as câmaras e os corredores. Por todos os lados ouviam-se gritos de horror, corpos estavam por todos os lados, a tripulação não sabia mais o que fazer, fora tentar se salvar da derrota iminente. Os que estavam em baixo tentavam subir para não morrer afogados pela água que subia rapidamente, enquanto os que estavam acima tentavam fugir do inferno que ardia, o caos era total.
Com a quilha no ar e muitos marinheiro dentro de água debatendo-se e tentando agarrar-se ao casco negro e viscoso, o enorme navio desapareceu para o fundo do mar. Então os navios ingleses aproximaram-se e apenas salvaram 100 marinheiros. Alertados pela notícia que os submarinos alemães se aproximavam, para não serem apanhados, os ingleses foram obrigados a deixar centenas de marinheiros vagando naquele oceano revolto.
Os que sobreviveram à batalha, sofreram não apenas na sua pele o peso amargo da derrota, sofreram um choque na fé em que foram educados. A vida em que inspiraram sua existência, estava despedaçada, e morta a crença invencibilidade da sua raça.